sexta-feira, 2 de março de 2012

Quando os pais envelhecem





    Meu pai é a melhor pessoa que eu conheço no mundo inteiro. É um coração com pernas, e sempre foi um ótimo motorista. De uns tempos pra cá, começou a manetear no trânsito (ele nega, claro!), o que me causou uma estranheza enorme. Ele continua sendo, pra mim, a melhor pessoa do mundo. Só que agora, tira fininhos assustadores do carro ao lado.

    Minha mãe sempre foi a rainha do agito. Acorda pilhada, e dorme pilhada. Faz tudo e mais um pouco, e não pára nunca de falar e zanzar pela casa. Parar de falar ela não parou, mas de uns tempos pra cá, começou a se cansar de zanzar. Tira sonecas á tarde, coisa que nunca fazia. A energia atômica começou a se esvair, o que também me causou uma estranheza enorme.

   Aí me deparei, por coincidência (será?), com este texto da Martha Medeiros. Sempre achei a Martha Medeiros meio piegas, mas dessa vez ela veio com os dois pés na minha traquéia. Confesso que fiquei um pouco triste (na verdade, chorei litros) ao terminar de lê-lo, e envergonhada de todas as cobranças e críticas que já fiz, sem pensar.

    Em um mais puro pensamento egoísta e infantil, relutei a aceitar que os pais não são eternos. E acho que muita gente reluta, assim como eu. Por isso, compartilho aqui este texto muito bonito, que me fez hoje um pouco triste, mas um pouco mais madura.

NOSSOS VELHOS
(Martha Medeiros)

Pais heróis e mães rainhas do lar. 
Passamos boa parte da nossa existência cultivando estes estereótipos. 
Até que um dia o pai herói começa a passar o tempo todo sentado, resmunga baixinho e puxa uns assuntos sem pé nem cabeça.                        
A rainha do lar começa a ter dificuldade de concluir as frases e dá prá implicar com a empregada. 
O que papai e mamãe fizeram para caducar de uma hora para outra? 
Fizeram 80 anos. Nossos pais envelhecem. Ninguém havia nos preparado pra isso. 
Um belo dia eles perdem o garbo, ficam mais vulneráveis e adquirem umas manias bobas. 
Estão cansados de cuidar dos outros e de servir de exemplo: agora chegou a vez de eles serem cuidados e mimados por nós, nem que pra isso recorram a uma chantagenzinha emocional. 
Têm muita quilometragem rodada e sabem tudo, e o que não sabem eles inventam. 
Não fazem mais planos a longo prazo, agora dedicam-se a pequenas aventuras, como comer escondido tudo o que o médico proibiu. Estão com manchas na pele. 
Ficam tristes de repente. Mas não estão caducos: caducos ficam os filhos, que relutam em aceitar o ciclo da vida.
É complicado aceitar que nossos heróis e rainhas já não estão no controle da situação. Estão frágeis e um pouco esquecidos, têm este direito, mas seguimos exigindo deles a energia de uma usina. 
Não admitimos suas fraquezas, seu desânimo. 
Ficamos irritados se eles se atrapalham com o celular e ainda temos a cara-de-pau de corrigi-los quando usam expressões em desuso: calça de brim? frege? auto de praça? 
Em vez de aceitarmos com serenidade o fato de que as pessoas adotam um ritmo mais lento com o passar dos anos, simplesmente ficamos irritados por eles terem traído nossa confiança, a confiança de que seriam indestrutíveis como os super-heróis. 
Provocamos discussões inúteis e os enervamos com nossa insistência para que tudo siga  como sempre foi. Essa nossa intolerância só pode ser medo. Medo de perdê-los, e medo de perdermos a nós mesmos, medo de também deixarmos de ser lúcidos e joviais. É uma enrascada essa tal de passagem do tempo.
Nos ensinam a tirar proveito de cada etapa da vida, mas é difícil  aceitar as etapas dos outros, ainda mais quando os outros são papai e  mamãe, nossos alicerces, aqueles para quem sempre podíamos voltar, e que agora estão dando sinais de que um dia irão partir sem nós.